A REALIDADE
Por que você é responsável pela resistência bacteriana aos antibióticos?
Vivemos uma época em que os antibióticos não conseguem combater algumas infecções. Esses medicamentos já perdem a batalha para vários micro-organismos multirresistentes. Para se ter uma ideia da gravidade deste assunto, essas bactérias causam mais mortes nos Estados Unidos do que a AIDS.
São bactérias como a bactérias como a KPC (Klebsiella pneumoniae produtora de carbapenemases) e o Staphylococcus aureus resistente à meticilina (SARM), dentre outras que já causaram mortes aqui no Brasil também. Você deve se lembrar disso nos noticiários recentes. E o que muitos consideram uma eventualidade, na verdade é algo previsível e que pode ser minimizado.
MECANISMOS DE RESISTÊNCIA BACTERIANA AOS ANTIBIÓTICOS
Assista este vídeo até o final que vou lhe mostrar os mecanismos com os quais as bactérias se tornam resistentes.
Se você está lendo este artigo e ainda não me conhece, meu nome é Welington, sou cirurgião-dentista, mestre em reabilitação oral, e especialista em Endodontia e Periodontia, talvez as duas especialidades da Odontologia que lidam mais diretamente com infecções.
E como se sabe, infecções odontogênicas podem ter complicações sistêmicas e gerar quadros graves de abscessos que podem levar o paciente a óbito. Costumo sempre lembrar aos meus alunos que nossa área de trabalho, essencialmente o terço médio e inferior da face, está a poucos centímetros de estruturas vitais tais como a base do crânio e do cérebro e um pouco acima do coração. Nesse sentido é de fundamental importância considerar qualquer possível foco de infecção na boca como um risco real à saúde geral do paciente. Veja bem, minha intenção aqui não é nem relacionar as infecções odontogênicas com a diabetes ou partos pré-maturos por exemplo, uma vez que isso já está mais do que comprovado na literatura científica.
O que destaco aqui é um resumo sobre como surge essa resistência bacteriana aos antibióticos tradicionais e como você pode contribuir para minimizar esse risco.
A resistência de um micro-organismo a determinada substância pode ser classificada como natural (também denominada intrínseca) ou adquirida.
As bactérias habitualmente conseguem essa característica por mutação ou transferência genética oriunda de outra bactéria que pode se dar por meio de cromossomos (entre aspas seria da bactéria mãe para a bactéria filha) ou por filamentos genéticos (os chamados plasmídeos) que podem passar de uma bactéria para outra, mesmo sendo de espécies diferentes.
Também tem sido demonstrado que esses micro-organismos podem adquirir a habilidade de hidrolisar diversos fármacos antimicrobianos como os beta-lactâmicos, dos quais os mais utilizados são as penicilinas, cefalosporinas e os carbapenêmicos.
É importante destacar também sobre os biofilmes. Os biofilmes são comunidades microbianas altamente organizadas que se formam sobre superfícies úmidas, como a pele e as mucosas, dentes, próteses, equipamentos industriais e embalagens. Os micro-organismos organizados em biofilmes produzem substâncias poliméricas extracelulares que agregam e protegem as bactérias, tornando-as mais tolerantes aos agentes antimicrobianos também.
Na odontologia, um exemplo clássico de biofilme é o cálculo dentário, também conhecido como tártaro, que assim como outros biofilmes somente são eliminados com a remoção mecânica, ou seja, com a raspagem e alisamento dental.
E COMO CONTRIBUIR PARA MINIMIZAR A RESISTÊNCIA BACTERIANA AOS ANTIBIÓTICOS?
Os únicos profissionais que podem prescrever antibióticos são os médicos e os cirurgiões-dentistas. Se você é um desses profissionais, a melhor maneira de contribuir e enfrentar a resistência bacteriana é o bom senso ao receitar antibióticos na clínica diária. O investimento em conhecimento é fundamental, pois deve-se saber quais são os agentes causadores das infecções mais comuns dentro de cada especialidade. É uma irresponsabilidade e diria que beira um crime contra a saúde pública prescrever antibióticos de forma profilática ou curativa baseada no “medo” ou insegurança perante uma infecção qualquer.
Mister se faz ressaltar que nem toda infecção é bacteriana e que antibióticos só têm efeitos contra bactérias, ou seja, não agem sobre vírus e fungos, por exemplo. Mas não pense que todos os profissionais de saúde dominam a microbiologia e farmacologia de maneira inconteste. A falta de conhecimento que leva aos erros profissionais ocorrem em países em desenvolvimento mas também em países desenvolvidos. No início da década de 90, foi realizado um estudo na França sobre o uso de antibióticos em crianças. Sabe qual foi o resultado? Cerca de absurdos 25% das crianças da comunidade em estudo tomaram antibióticos contra infecções virais.
Antes de prescrever antibióticos preventivamente em pacientes sem alterações sistêmicas, ou seja, imunocompetentes, deve-se ter clareza sobre o porquê da prescrição. Deve-se analisar se outros procedimentos e intervenções locais não são suficientes para resolver o problema. Eu falei sobre isso em outra aula disponível aqui no canal do YouTube ou no blog sobre Farmacologia em Endodontia. Nessa aula, eu afirmei que devemos prescrever antibióticos somente quando os sistemas de defesa do paciente não conseguem, por si só, controlar o processo infeccioso, o que ocorre nas seguintes situações:
- em pacientes portadores de doenças metabólicas (ex. diabetes) ou imunossuprimidos (ex. AIDS);
- em pacientes com sinais locais de disseminação da infecção, como por exemplo em casos de abscesso sem fístula;
- em pacientes com manifestações sistêmicas da infecção, tais como febre, taquicardia, falta de apetite e mal-estar geral.
E sempre que se decidir pelo emprego de algum antibiótico, a regra é utilizar sempre doses maciças pelo menor espaço de tempo possíve, sempre com acompanhamento constante do paciente por parte do profissional, monitorando o curso do processo infeccioso a cada 24 ou 48 horas.
Caso contrário, de acordo com o professor titular da Unicamp, Eduardo Dias de Andrade:
Se alguns profissionais ainda persistirem em fazer profilaxia antibiótica ou tratar as infecções bucais por 7 a 10 dias, de forma indiscriminada, empregando fármacos de amplo espectro de ação e de ‘útlima geração’, as bactérias e a indústria agradecem – e o futuro será cada vez mais sombrio.”
OUTRAS MEDIDAS PARA REDUZIR O RISCO DA RESISTÊNCIA BACTERIANA AOS ANTIBIÓTICOS
Eu ainda gostaria que você prestasse atenção em outras duas medidas simples para que você contribua de maneira efetiva para minimizar a propagação das super-infecções decorrentes da resistência bacteriana aos antibióticos.
A primeira delas é a higienização correta e mais frequente das mãos. Clique aqui para você baixar uma cartilha da ANVISA e do Ministério da Saúde ensinando a técnica correta ou veja abaixo.
A segunda medida que você pode tomar, e muito pouco discutida seja na mídia em geral ou mesmo em ambientes acadêmicos, é educar todos ao seu redor sobre o descarte adequado de medicamentos não utilizados que sobraram ou estão vencidos, sobretudo antibióticos e outros remédios controlados. Jogar antibióticos no lixo comum ou na pia é um risco enorme. Esses remédios se infiltram no solo, contaminam a água, e voltam para nossas casas. Claro que a água é filtrada, tratada, mas não se pode garantir que todos os tipos de agrotóxicos ou outros produtos químicos, como os antibióticos, são retirados completamente da água.
O descarte inadequado de antibióticos e a consequente contaminação ambiental pode acabar favorecendo a seleção de micro-organismos resistentes e levando a doenças incuráveis de acordo com a Organização Mundial de Saúde. Conforme o Conselho Regional de Farmácia de São Paulo, as farmácias não têm obrigação de recolher os medicamentos de descarte. Porém, mesmo assim a orientação é que os clientes devolvam os remédios nos estabelecimentos onde foram comprados.
Enfim, com estas simples medidas, você pode salvar vidas!
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Sorria! Sucesso!
Forte abraço!
Welington
REFERÊNCIAS
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Guillemot D, Maison P, Carbon C, Balkau B, Vauzelle-Kervroëdan F, Sermet C, et al. Trends in Antimicrobial drug use in the community. J. Infect Dis. 1998;177(2):492-7.
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Groppo F, del Fiol FS, de Andrade ED. Uso de antibióticos no tratamento ou na prevenção das infecções bacterianas bucais. In: Terapêutica medicamentosa em odontologia. 3. ed. São Paulo. Artes Médicas, 2014. p. 54-77.