Síndrome Do Dente Rachado

Síndrome Do Dente Rachado

Definição

O termo “síndrome do dente rachado” foi citado a primeira vez por Cameron em 1964.

A síndrome do dente rachado é uma fratura incompleta de um dente posterior vital, que ocasionalmente se estende à polpa.

Veja, por exemplo, essas fotomicrografias do Dr. Domenico Ricucci onde se observa nitidamente o envolvimento pulpar do caso em questão.

síndrome do dente rachado 2


Classificação

Existem diversas classificações para as rachaduras dentárias, mas uma bastante utilizada é a proposta por Williams (1993), onde:

  • Classe I: fratura vertical incompleta de esmalte/dentina s/ envolvimento pulpar.
  • Classe II: fratura coronária incompleta com envolvimento pulpar.
  • Classe III: fratura vertical incompleta com envolvimento periodontal.
  • Classe IV: fratura promove separação completa dos fragmentos.

Diagnóstico

Em geral a síndrome do dente rachado tem características crônicas, e pode variar desde a ausência total de sintomas, passando por um leve desconforto a dor moderada provocada, principalmente com a mastigação. Em caso de sintomatologia, por se tratar de dentes com vitalidade, a dor pode ser difusa, dificultando a identificação do dente envolvido, o que pode levar a tratamentos desnecessários em outros dentes vizinhos.


É interessante destacar que diversos estudos mostram que as fraturas dentárias são a terceira causa de perda de dentes, depois da cárie e da doença periodontal. Vale ressaltar também, portanto, a importância da magnificação com lupas ou mesmo o microscópio operatório para o diagnóstico precoce das fraturas incompletas.

Digo isso porque há a possibilidade de desenvolvimento de um processo de cárie na dentina adjacente à linha de fratura, tendo em vista que as bactérias acabam colonizando a linha de fratura, como visto na última fotomicrografia à direita mostrada acima, onde já se percebe bactérias sendo fagocitadas por leucócitos atraídos para a região. Se o diagnóstico não for feito a tempo, a fratura pode invadir o espaço biológico periodontal e piorar bastante o prognóstico.


Etiologia

As forças oclusais são as principais causas pela formação dessas fraturas incompletas, geralmente devido ao efeito cunha na relação cúspide-fossa.

As fraturas começam na fossa, ao longo do sulco principal, se estendem ao longo da crista marginal e progridem através da polpa ou em direção apical ao longo da raiz. Quando se examina um molar hígido, por exemplo, sensível a alterações térmicas e à mordida, deve se avaliar a presença de uma fratura mesiodistal como possível causa.

síndrome do dente rachado 3

A presença de restaurações e de lesões cariosas não tratadas é um fator predisponente, como neste caso acima. Assista o vídeo abaixo para ver todo o histórico deste caso, no qual não há envolvimento pulpar ou periodontal crítico. No vídeo também mostro outro caso onde há envolvimento pulpar onde se fez necessário o tratamento endodôntico.

Quando o diagnóstico da rachadura, ou fratura, é confirmado antes que se instale um processo inflamatório irreversível, pode-se, como nesse caso em tela, optar pela manutenção da vitalidade pulpar.


Tratamento

O objetivo do tratamento restaurador é minimizar a flexão das cúspides comprometidas para prevenir a propagação da fratura. Portanto, preste bastante atenção nesse ponto!!! Um dos primeiros procedimentos indicados é aliviar a oclusão com um desgaste seletivo. Em alguns casos a fratura pode ser diagnosticada antes da remoção da restauração antiga. Em outros a restauração precisa ser removida para confirmar a presença e extensão da fratura. Eu sugiro também que você faça sempre uma sondagem periodontal… aliás, eu exijo de todos os meus alunos uma sonda periodontal nos kits de exame clínico de qualquer disciplina. Lembre-se que o que condena um dente é sempre o suporte periodontal e, portanto, se confirmarmos uma fratura com envolvimento periodontal, o prognóstico via de regra é bastante desfavorável.

Eu particularmente, após removida a restauração antiga e visualizada a linha de fratura, geralmente opto por fazer uma restauração direta com um bom adesivo e uma boa resina composta. Essa restauração direta de resina serve como núcleo de preenchimento, uma vez que minha preferência para a restauração final nesses casos recai sobre uma restauração indireta tipo onlay, ou seja, com proteção de cúspide. Pode ser uma coroa total também, dependendo da destruição coronária e da extensão da linha de fratura em direção gengival. Hoje minha preferência de material seria uma onlay de E-max, que é o dissilicato de lítio. Geralmente faço o preparo e moldagem para a onlay de E-max numa segunda sessão. Você pode por exemplo, marcar o paciente depois de uma semana e avaliar como estará a sintomatologia nesse tempo, para só então confeccionar a onlay.

Outra opção caso você esteja em dúvida quanto ao prognóstico após a remoção da restauração antiga, é colocar uma banda ou anel ortodôntico e restaurar provisoriamente com algum cimento de óxido de zinco ou IRM, por exemplo. Depois de uma ou duas semanas, caso o dente esteja assintomático, procede-se então à restauração final.

De fato, o que predispõe a essas fraturas é a perda de integridade da estrutura coronária, especialmente em restaurações classe II, ou seja, a perda das cristas marginais aumenta a incidência das rachaduras.

Aqui eu sugiro que você leia o post que eu já publiquei no blog falando sobre resistência à fratura, no qual eu cito um artigo do Reeh e colaboradores corroborando essa questão (clique aqui para ler o post). Você perceberá que a perda da crista marginal, ou seja, uma cavidade classe II de Black leva a diminuição em até 60% da resistência à fratura. Essa informação é extremamente importante, e como você já deve ter percebido, influencia o tipo de restauração a ser feita.

Em resumo, temos como diretrizes para o tratamento:

  1. Fratura Incompleta + Vitalidade Pulpar Sem Envolvimento Periodontal:
    • alívio oclusal
    • remoção da restauração antiga
    • restauração provisória ou núcleo de preenchimento
    • restauração final com proteção de cúspides (para evitar “efeito cunha”) – ex. onlay ou coroa de E-max
  2. Fratura Incompleta + Pulpite Sintomática (Pulpite Irreversível) Sem Envolvimento Periodontal:
    • alívio oclusal
    • remoção da restauração antiga
    • pulpectomia / tratamento endodôntico
    • núcleo de preenchimento
    • restauração final com proteção de cúspides (para evitar “efeito cunha”) – ex. onlay ou coroa de E-max
  3. Fratura Incompleta Com Envolvimento Periodontal ou Fratura Completa Com Separação Total Dos Fragmentos
    • prognóstico extremamente desfavorável – indicação de exodontia

Referências

Cameron CE. Cracked-tooth syndrome. J Am Dent Assoc. 1964 Mar;68:405-11.

Ricucci D. Síndrome do dente rachado. In: Lopes HP, Siqueira Jr JF. Endodontia: biologia e técnica. 4. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. p. 801-6.

Williams JJ. Cracked tooth syndrome: a new classification. Dent Today. 1993;June/July:34-9.


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Forte abraço!

Welington

14 Comentários


    1. Olá Adriana! Muito obrigado (gracias) pelo interesse e pela mensagem. Fico feliz que tenha gostado. Forte abraço, WPJ.


  1. Olá, nenhuma referência a uma tomografia para ajudar no diagnóstico e tratamento??


    1. Olá Mauro! Muito obrigado pelo interesse e pela mensagem.
      Indubitavelmente, a tomografia computadorizada de feixe cônico revolucionou o diagnóstico em odontologia. Entretanto, existem algumas limitações como, por exemplo, artefatos de técnica quando há algum material radiopaco presente (a imagem “estoura” – com formação de áreas hipodensas e listras brilhantes – provocando o que em inglês se chama de “beam hardening” ou endurecimento do feixe, numa tradução livre). Os artefatos podem interferir negativamente no diagnóstico, dificultando a visualização da região de interesse ou simulando alterações. Portanto, na presença de restaurações metálicas como amálgama ou RMF, já teríamos um problema. Assim, há necessidade de remoção da restauração.
      Obivamente, se nós removemos a restauração fica muito mais fácil a visualização do assoalho da cavidade e o diagnóstico. Portanto, na síndrome do dente rachado, por se tratar de fraturas coronárias ou corono-radiculares, o diagnóstico é clínico, não havendo indicação de tomografia. Veja que, se há suspeita de fratura radicular, é outra situação clínica, outro diagnóstico e aí, talvez, em alguns casos a tomografia poderia ser útil. Faz sentido para você?
      Forte abraço, Welington Pereira Jr.


  2. Gostei muito do post da semana.!!! Obrigada pelas informações.


    1. Olá Gilvana! Muito obrigado pelo interesse e pela mensagem!
      Fico muito feliz que tenha gostado. Sua mensagem é um grande incentivo, de verdade.
      Minha intenção é sempre contribuir positivamente para uma melhor prática clínica.
      Forte abraço,
      Welington Pereira Jr.


  3. Boa tarde me chamo Karina eu estava com muita dor de dente ele estava rachado sem condições de pagar um dentista fui na emergência do posto de saúde lá ela falou que minha raiz estava rachada que única solução era a extração chorei muito pois é um dos dentes da frente me ajude por favor ela fez certo ou tinha outra solução obrigada.


    1. Boa tarde Karina. Esse blog é voltado para cirurgiões-dentistas e acadêmicos. Sendo assim, infelizmente fico de mãos atadas. A única maneira de chegar a um diagnóstico e propor um tratamento é depois de realizar uma cuidadosa consulta inicial. Por isso minha recomendação é que procure o seu cirurgião-dentista de confiança para uma avaliação clínica-radiográfica adequada, ok? Grato pela compreensão. Att. Welington


  4. Olá! Eu preciso URGENTE da indicação de um dentista honesto com relação ao preço do orçamento e tratamento (serviço), e de confiança para me ajudar! tem algum aqui na Barra da Tijuca? Perto do Downtown?


    1. Olá Alexandre. Existem vários profissionais competentes no RJ. Infelizmente, não tenho o telefone de nenhum para lhe indicar, mas você pode facilmente encontrar algum pesquisando na internet mesmo, de acordo com a sua localidade e especialidade que precisa. Att. Welington.


    1. Olá Ilma. Fico feliz que tenha gostado do vídeo. Muito obrigado pela mensagem aqui no blog. Forte abraço, Welington.


  5. Que excelente post! Muito esclarecedor.
    Tenho uma dúvida: em casos de dentes hígidos com trinca incompleta (por morder algo duro), com dor provocada à estímulo térmico, o tratamento seria o mesmo que você explicou se caso houvesse restauração?
    Att,
    Mariana


    1. Olá Mariana! Sim, dependendo da extensão e direção da trinca eu faria uma restauração indireta com proteção de cúspide, mesmo que o dente não tivesse restauração alguma. Abraço, Welington

Comentários encerrados.